Dia da Bandeira: desenhos para colorir

 


Desenhos para colorir e celebrar o Dia da Bandeira...

Espero que a publicação seja útil e auxilie a sua prática pedagógica. Gratidão pela visita e volte sempre! 🙂

TERMO DE USO:
Material gratuito para uso pessoal e educacional. Você pode fazer o download, imprimir e utilizar em seu trabalho, com seus alunos ou em sua casa com os seus familiares. NÃO É AUTORIZADO TRANSFORMAR ESTE MATERIAL EM PDF e somente pode ser compartilhado em redes sociais pelo link desta postagem! Todos os direitos desta obra pertencem ao Blog Educação e Transformação. Qualquer forma de copiar, comercializar, armazenar e compartilhar esse material em PDFS ou IMAGENS  sem consentimento constitui crime, pela lei de direitos autorais 9.610/98! Evite problemas jurídicos. 












 


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Como o maior peixe da Amazônia foi parar nos rios do interior de São Paulo

  • Author, Rone Carvalho
  • Role, De São José do Rio Preto (SP) para a BBC News Brasil
Izael com pirarucu de 113 quilos

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto,

Izael com pirarucu de 113 quilos

Dizer que pescou um pirarucu nos rios do interior de São Paulo não é história exagerada de pescador. Com comprimento maior que uma pessoa adulta, a espécie típica da Bacia Amazônica é capturada com frequência no trecho do rio Grande, entre a Usina Hidrelétrica de Marimbondo e a Usina Hidrelétrica de Água Vermelha, na divisa entre São Paulo e Minas Gerais.

Conhecido por ser um dos maiores peixes de água doce do mundo, o pirarucu -Arapaima gigas -, popularmente conhecido como "bacalhau do Norte", pode ultrapassar os 3 metros de comprimento e pesar até 220 quilos. No interior de São Paulo, exemplares de até 150 quilos já foram pescados.

Acostumada a pescar peixes de até 30 quilos, Maria José Melo da Conceição, 59 anos, se assustou quando pegou pela primeira vez o maior peixe de água doce com escamas da Amazônia no rio Grande.

"Lembro que no começo achava que era sucuri pelo tamanho e força. Somente fui saber que tinha pirarucu no rio Grande quando peguei um filhote pesando 33 quilos."

O tamanho do onívoro também chamou a atenção de Izael Gonçalves de Moraes, 41 anos, que pescou um exemplar da espécie com 2,2 metros de comprimento, pesando 113 quilos, justamente no dia do seu aniversário. "Foi a primeira vez que pesquei um peixe desse tamanho. Fiquei até emocionado, pois levei quase uma hora para conseguir tirar da água."

Natural da região da Amazônia, o pirarucu pescado por Izael em outubro de 2022 foi encontrado no trecho do rio Grande, próximo do distrito de São João do Marinheiro, em Cardoso (SP). "Depois desse de 113 quilos, peguei um de 90 quilos e outro de 50 quilos. É um peixe que está se reproduzindo de maneira extremamente rápida pelo rio."

Segundo Rogerio Machado, ecólogo e analista ambiental do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Peixes Continentais (CEPTA), órgão ligado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o rompimento de tanques de piscicultura de criadouros particulares, às margens do rio Grande, possibilitou que os primeiros peixes da espécie pirarucu tivessem acesso ao rio Grande. "Foi quando a espécie encontrou ambiente favorável para se reproduzir, pois não tem predadores naturais", explicou Machado.

Lilian Casatti, pesquisadora do Laboratório de Ictiologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de São José do Rio Preto, é uma das cientistas brasileiras que estuda os impactos do pirarucu nos rios do interior de São Paulo.

Ela aponta que a espécie encontrou no trecho do rio Grande, entre a Usina Hidrelétrica de Água Vermelha e a Usina Hidrelétrica de Marimbondo, um ecossistema muito parecido com seu habitat natural na Amazônia, principalmente por conta das águas sem correnteza.

"Os rios dessa região estão muito modificados e para pior. Assim, enquanto as espécies nativas demonstram ser mais sensíveis a essas alterações e por isso estão em declínio; as espécies não nativas, como o pirarucu, são mais resistentes, não demonstram muitas exigências e conseguem aproveitar os poucos recursos que ainda existem", elencou Casatti.

Os primeiros pirarucus foram avistados no trecho do rio Grande, entre a Usina Hidrelétrica de Marimbondo e a Usina Hidrelétrica de Água Vermelha, na divisa entre São Paulo e Minas Gerais, em 2010. Porém, foi apenas em 2015 que pesquisadores conseguiram fazer o primeiro registro científico da introdução da espécie no local.

"Mesmo sendo um peixe da Bacia Amazônica, o pirarucu se adaptou bem a Bacia Paraná, consequentemente a cada ano que passa estão sendo mais comuns de serem pescados. Inclusive, temos relatos de pescadores que já estão encontrando exemplares pesando até 150 quilos", disse Emerson Mioransi, capitão da Polícia Ambiental da região de São José do Rio Preto.

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto,

Izael Gonçaves e a esposa Cintia Moraes com o pirarucu pescado no rio Grande

Impactos ambientais

A introdução de uma espécie não nativa que se alimenta de outros animais aquáticos é a grande preocupação dos pesquisadores que estudam os impactos da reprodução do pirarucu no rio Grande.

"Estamos falando de uma espécie predadora de topo de cadeia alimentar, e um animal de grande porte, que consome outras espécies de peixes de menor porte", apontou Igor Paiva Ramos, pesquisador da Unesp de Ilha Solteira.

Para Lidiane Franceschini, pesquisadora da Unesp, a reprodução rápida da espécie pode desestruturar as comunidades aquáticas. "O pirarucu no rio Grande pode causar a diminuição de espécies nativas importantes da pesca regional."

Estudos apontam que, até o momento, o pirarucu apenas habita o trecho entre a Usina Hidrelétrica de Marimbondo e da Usina Hidrelétrica de Água Vermelha – duas barragens construídas na década de 1970 para a produção de eletricidade - que corresponde a uma distância de aproximadamente 120 quilômetros em que o rio Grande divide os territórios de São Paulo e Minas Gerais.

Contudo, o receio é que nos próximos anos a espécie ganhe os afluentes do rio Grande e comprometa as relações ecológicas de outros rios do interior de São Paulo.

"A introdução do pirarucu, além de poder causar a extinção local de espécies de peixes e invertebrados que são utilizados como alimento por meio da predação, também pode ajudar na introdução de parasitas que podem parasitar as próprias espécies de peixes nativas", apontou Lidiane.

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto,

Lucio Omar Pereira com pirarucu de 110 quilos pescado no rio Grande em 2019

Pirarucu aquece turismo

Ao mesmo tempo que o pirarucu representa um perigo para o ecossistema aquático do rio Grande, também impulsiona o turismo de pesca de cidades do interior de São Paulo.

Desde que pescou o primeiro pirarucu, em 2018, o guia de pesca Odair Camargo viu crescer a procura de pescadores interessados em pescar no trecho do rio Grande entre Cardoso (SP) e Mira Estrela (SP). "Muita gente vê os vídeos na internet e vem tentar pescar. Além disso, quando você consegue pegar um pirarucu, consegue garantir o sustento da família. Recentemente, peguei um de 107 quilos que me rendeu R$ 2,5 mil. Mas é difícil tirar ele da água."

Dificuldade que não impediu o pescador Lucio Omar Pereira, 49 anos, de pescar três exemplares nos últimos meses. "O primeiro que pesquei pesou 110 quilos. Estava em um barranco, ele puxava o anzol tão forte que digo que foi Deus me ajudou a tirar ele do rio."

O termo pirarucu advém da sua coloração, sendo "pira" de peixe e "urucu" em referência a sua coloração vermelha. O gigante da Amazônia também é conhecido por suas grossas escamas que são capazes de impedir a penetração de mordidas de piranha.

Segundo Levi Francisco dos Santos, diretor do departamento do meio ambiente de Cardoso (SP), o município projeta nos próximos meses realizar um campeonato para incentivar a pesca da espécie. "É uma forma de conseguirmos diminuir a incidência de pirarucu no rio e incentivar o turismo local."

Em Mira Estrela, município do interior de São Paulo que também é banhado pelo rio Grande, o diretor do departamento de meio ambiente, Antônio Cesar Zanzarin, diz que pescadores já relatam o desaparecimento de algumas espécies de peixes a partir da reprodução massiva do pirarucu. "É um peixe carnívoro que está causando a diminuição do número de peixes nativos e consequentemente o ganho de pescadores."

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto,

Izael Gonçalves com pirarucu pescado no rio Grande

Possíveis soluções

Estímulo à pesca, manejo da espécie e novas pesquisas científicas são apontados por especialistas como possíveis soluções para remediar os problemas que o pirarucu pode gerar no rio Grande nos próximos anos.

Para o ecólogo Rogerio Machado, dificilmente será possível acabar com a espécie na região. "O que pode ser feito é o manejo da espécie e estimular a pesca esportiva para tentar diminuir o número de peixes. É uma forma de ter controle do pirarucu no rio Grande e evitar mais impactos ambientais."

Já Igor Paiva Ramos, pesquisador da Unesp de Ilha Solteira, defende uma maior mobilização sobre a importância da educação ambiental no Brasil. "Depende de educarmos ambientalmente e sensibilizarmos a sociedade e políticos, sobre os riscos e prejuízos ambientais e econômicos que a introdução de espécies não-nativas pode causar."

A pesquisadora Lidiane Franceschini ressalta a importância da fiscalização e do monitoramento das comunidades aquáticas, para rápida detecção de espécies não-nativas, como forma de evitar novas invasões nos rios brasileiros. "Contudo, o que temos atualmente são leis que protegem essas espécies, como por exemplo a limitação da quantidade de animais não-nativos que podem ser capturados e limitação do tamanho. Do ponto de vista de controle dessas espécies não-nativas, essas medidas são equivocadas."

Por ser uma espécie não-nativa, mesmo durante o período da piracema o pirarucu pode ser pescador no rio Grande. "Por ser um peixe invasor, a pesca dele é liberada, mas o pescador precisa ficar atento se não está descumprindo outras normas", afirmou Emerson Mioransi, capitão da Polícia Ambiental da região de São José do Rio Preto.

Além do pirarucu, outros peixes como a tilápia também foram introduzidos nos rios do interior de São Paulo por meio do escape de tanques de psicultura. A tilápia - Oreochromis niloticus -, por exemplo, chegou ao Brasil para ser criada em cativeiro, mas atualmente é frequentemente encontrada em rios brasileiros.

"Mas com o pirarucu o problema é maior, pois é um peixe que consome a maioria dos peixes. Talvez daqui 15 anos, as próprias espécies nativas mostrem os primeiros sinais de adaptação de vivência com o pirarucu no rio Grande, mas até lá é necessário um manejo e controle do número de exemplares", afirmou Rogerio.

Os impactos da presença do pirarucu no rio Grande estão sendo pesquisados por cientistas da Universidade Estadual Paulista (Laboratório de Ictiologia da Unesp de São José do Rio Preto; Laboratório de Ecologia de Peixes de Ilha Solteira e Laboratório de Genética de Peixes de Bauru); Universidade Federal do Paraná (Laboratório de Ecologia e Conservação do Setor de Tecnologia da UFPR); Universidade Estadual de Londrina (Laboratório de Ecologia de Peixes e Invasões Biológicas, Laboratório de Genética e Ecologia Animal da UEL); e do Instituto Cavanilles de Biodiversidade e Biologia Evolutiva da Universidade de Valência (Espanha).

Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/ckmd4pd4d6ko


Read more: https://www.bbc.com/portuguese/articles/ckmd4pd4d6ko?at_medium=RSS&at_campaign=KARANGA
  • Author, Rone Carvalho
  • Role, De São José do Rio Preto (SP) para a BBC News Brasil
Izael com pirarucu de 113 quilos

Crédito, Arquivo pessoal

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Izael com pirarucu de 113 quilos

Dizer que pescou um pirarucu nos rios do interior de São Paulo não é história exagerada de pescador. Com comprimento maior que uma pessoa adulta, a espécie típica da Bacia Amazônica é capturada com frequência no trecho do rio Grande, entre a Usina Hidrelétrica de Marimbondo e a Usina Hidrelétrica de Água Vermelha, na divisa entre São Paulo e Minas Gerais.

Conhecido por ser um dos maiores peixes de água doce do mundo, o pirarucu -Arapaima gigas -, popularmente conhecido como "bacalhau do Norte", pode ultrapassar os 3 metros de comprimento e pesar até 220 quilos. No interior de São Paulo, exemplares de até 150 quilos já foram pescados.

Acostumada a pescar peixes de até 30 quilos, Maria José Melo da Conceição, 59 anos, se assustou quando pegou pela primeira vez o maior peixe de água doce com escamas da Amazônia no rio Grande.

"Lembro que no começo achava que era sucuri pelo tamanho e força. Somente fui saber que tinha pirarucu no rio Grande quando peguei um filhote pesando 33 quilos."

O tamanho do onívoro também chamou a atenção de Izael Gonçalves de Moraes, 41 anos, que pescou um exemplar da espécie com 2,2 metros de comprimento, pesando 113 quilos, justamente no dia do seu aniversário. "Foi a primeira vez que pesquei um peixe desse tamanho. Fiquei até emocionado, pois levei quase uma hora para conseguir tirar da água."

Natural da região da Amazônia, o pirarucu pescado por Izael em outubro de 2022 foi encontrado no trecho do rio Grande, próximo do distrito de São João do Marinheiro, em Cardoso (SP). "Depois desse de 113 quilos, peguei um de 90 quilos e outro de 50 quilos. É um peixe que está se reproduzindo de maneira extremamente rápida pelo rio."

Segundo Rogerio Machado, ecólogo e analista ambiental do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Peixes Continentais (CEPTA), órgão ligado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o rompimento de tanques de piscicultura de criadouros particulares, às margens do rio Grande, possibilitou que os primeiros peixes da espécie pirarucu tivessem acesso ao rio Grande. "Foi quando a espécie encontrou ambiente favorável para se reproduzir, pois não tem predadores naturais", explicou Machado.

Lilian Casatti, pesquisadora do Laboratório de Ictiologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de São José do Rio Preto, é uma das cientistas brasileiras que estuda os impactos do pirarucu nos rios do interior de São Paulo.

Ela aponta que a espécie encontrou no trecho do rio Grande, entre a Usina Hidrelétrica de Água Vermelha e a Usina Hidrelétrica de Marimbondo, um ecossistema muito parecido com seu habitat natural na Amazônia, principalmente por conta das águas sem correnteza.

"Os rios dessa região estão muito modificados e para pior. Assim, enquanto as espécies nativas demonstram ser mais sensíveis a essas alterações e por isso estão em declínio; as espécies não nativas, como o pirarucu, são mais resistentes, não demonstram muitas exigências e conseguem aproveitar os poucos recursos que ainda existem", elencou Casatti.

Os primeiros pirarucus foram avistados no trecho do rio Grande, entre a Usina Hidrelétrica de Marimbondo e a Usina Hidrelétrica de Água Vermelha, na divisa entre São Paulo e Minas Gerais, em 2010. Porém, foi apenas em 2015 que pesquisadores conseguiram fazer o primeiro registro científico da introdução da espécie no local.

"Mesmo sendo um peixe da Bacia Amazônica, o pirarucu se adaptou bem a Bacia Paraná, consequentemente a cada ano que passa estão sendo mais comuns de serem pescados. Inclusive, temos relatos de pescadores que já estão encontrando exemplares pesando até 150 quilos", disse Emerson Mioransi, capitão da Polícia Ambiental da região de São José do Rio Preto.

Crédito, Arquivo pessoal

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Izael Gonçaves e a esposa Cintia Moraes com o pirarucu pescado no rio Grande

Impactos ambientais

A introdução de uma espécie não nativa que se alimenta de outros animais aquáticos é a grande preocupação dos pesquisadores que estudam os impactos da reprodução do pirarucu no rio Grande.

"Estamos falando de uma espécie predadora de topo de cadeia alimentar, e um animal de grande porte, que consome outras espécies de peixes de menor porte", apontou Igor Paiva Ramos, pesquisador da Unesp de Ilha Solteira.

Para Lidiane Franceschini, pesquisadora da Unesp, a reprodução rápida da espécie pode desestruturar as comunidades aquáticas. "O pirarucu no rio Grande pode causar a diminuição de espécies nativas importantes da pesca regional."

Estudos apontam que, até o momento, o pirarucu apenas habita o trecho entre a Usina Hidrelétrica de Marimbondo e da Usina Hidrelétrica de Água Vermelha – duas barragens construídas na década de 1970 para a produção de eletricidade - que corresponde a uma distância de aproximadamente 120 quilômetros em que o rio Grande divide os territórios de São Paulo e Minas Gerais.

Contudo, o receio é que nos próximos anos a espécie ganhe os afluentes do rio Grande e comprometa as relações ecológicas de outros rios do interior de São Paulo.

"A introdução do pirarucu, além de poder causar a extinção local de espécies de peixes e invertebrados que são utilizados como alimento por meio da predação, também pode ajudar na introdução de parasitas que podem parasitar as próprias espécies de peixes nativas", apontou Lidiane.

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Lucio Omar Pereira com pirarucu de 110 quilos pescado no rio Grande em 2019

Pirarucu aquece turismo

Ao mesmo tempo que o pirarucu representa um perigo para o ecossistema aquático do rio Grande, também impulsiona o turismo de pesca de cidades do interior de São Paulo.

Desde que pescou o primeiro pirarucu, em 2018, o guia de pesca Odair Camargo viu crescer a procura de pescadores interessados em pescar no trecho do rio Grande entre Cardoso (SP) e Mira Estrela (SP). "Muita gente vê os vídeos na internet e vem tentar pescar. Além disso, quando você consegue pegar um pirarucu, consegue garantir o sustento da família. Recentemente, peguei um de 107 quilos que me rendeu R$ 2,5 mil. Mas é difícil tirar ele da água."

Dificuldade que não impediu o pescador Lucio Omar Pereira, 49 anos, de pescar três exemplares nos últimos meses. "O primeiro que pesquei pesou 110 quilos. Estava em um barranco, ele puxava o anzol tão forte que digo que foi Deus me ajudou a tirar ele do rio."

O termo pirarucu advém da sua coloração, sendo "pira" de peixe e "urucu" em referência a sua coloração vermelha. O gigante da Amazônia também é conhecido por suas grossas escamas que são capazes de impedir a penetração de mordidas de piranha.

Segundo Levi Francisco dos Santos, diretor do departamento do meio ambiente de Cardoso (SP), o município projeta nos próximos meses realizar um campeonato para incentivar a pesca da espécie. "É uma forma de conseguirmos diminuir a incidência de pirarucu no rio e incentivar o turismo local."

Em Mira Estrela, município do interior de São Paulo que também é banhado pelo rio Grande, o diretor do departamento de meio ambiente, Antônio Cesar Zanzarin, diz que pescadores já relatam o desaparecimento de algumas espécies de peixes a partir da reprodução massiva do pirarucu. "É um peixe carnívoro que está causando a diminuição do número de peixes nativos e consequentemente o ganho de pescadores."

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto,

Izael Gonçalves com pirarucu pescado no rio Grande

Possíveis soluções

Estímulo à pesca, manejo da espécie e novas pesquisas científicas são apontados por especialistas como possíveis soluções para remediar os problemas que o pirarucu pode gerar no rio Grande nos próximos anos.

Para o ecólogo Rogerio Machado, dificilmente será possível acabar com a espécie na região. "O que pode ser feito é o manejo da espécie e estimular a pesca esportiva para tentar diminuir o número de peixes. É uma forma de ter controle do pirarucu no rio Grande e evitar mais impactos ambientais."

Já Igor Paiva Ramos, pesquisador da Unesp de Ilha Solteira, defende uma maior mobilização sobre a importância da educação ambiental no Brasil. "Depende de educarmos ambientalmente e sensibilizarmos a sociedade e políticos, sobre os riscos e prejuízos ambientais e econômicos que a introdução de espécies não-nativas pode causar."

A pesquisadora Lidiane Franceschini ressalta a importância da fiscalização e do monitoramento das comunidades aquáticas, para rápida detecção de espécies não-nativas, como forma de evitar novas invasões nos rios brasileiros. "Contudo, o que temos atualmente são leis que protegem essas espécies, como por exemplo a limitação da quantidade de animais não-nativos que podem ser capturados e limitação do tamanho. Do ponto de vista de controle dessas espécies não-nativas, essas medidas são equivocadas."

Por ser uma espécie não-nativa, mesmo durante o período da piracema o pirarucu pode ser pescador no rio Grande. "Por ser um peixe invasor, a pesca dele é liberada, mas o pescador precisa ficar atento se não está descumprindo outras normas", afirmou Emerson Mioransi, capitão da Polícia Ambiental da região de São José do Rio Preto.

Além do pirarucu, outros peixes como a tilápia também foram introduzidos nos rios do interior de São Paulo por meio do escape de tanques de psicultura. A tilápia - Oreochromis niloticus -, por exemplo, chegou ao Brasil para ser criada em cativeiro, mas atualmente é frequentemente encontrada em rios brasileiros.

"Mas com o pirarucu o problema é maior, pois é um peixe que consome a maioria dos peixes. Talvez daqui 15 anos, as próprias espécies nativas mostrem os primeiros sinais de adaptação de vivência com o pirarucu no rio Grande, mas até lá é necessário um manejo e controle do número de exemplares", afirmou Rogerio.

Os impactos da presença do pirarucu no rio Grande estão sendo pesquisados por cientistas da Universidade Estadual Paulista (Laboratório de Ictiologia da Unesp de São José do Rio Preto; Laboratório de Ecologia de Peixes de Ilha Solteira e Laboratório de Genética de Peixes de Bauru); Universidade Federal do Paraná (Laboratório de Ecologia e Conservação do Setor de Tecnologia da UFPR); Universidade Estadual de Londrina (Laboratório de Ecologia de Peixes e Invasões Biológicas, Laboratório de Genética e Ecologia Animal da UEL); e do Instituto Cavanilles de Biodiversidade e Biologia Evolutiva da Universidade de Valência (Espanha).

Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/ckmd4pd4d6ko


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Chuvas em SP: como cidades podem se preparar para eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes?

Foto aérea mostra devastação em cidade no litoral

Crédito, Reuters

Legenda da foto,

Frequência de eventos extremos aumenta com as mudanças climáticas

O município de São Sebastião, o mais afetado pelos temporais que atingiram o litoral norte de São Paulo, tem um plano municipal de redução de riscos elaborado em 2018 pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) que considerava os piores cenários com base nas chuvas mais intensas registradas na cidade.

Em 24h, a região recebeu 640 mm de chuva, número três vezes maior que os 179 mm precipitados em 2014, durante a chuva mais intensa registrada nas últimas décadas.

O tamanho da tragédia no litoral - o total de mortos já chegou a 49 e equipes ainda buscam pessoas soterradas - tem sido apontado por especialistas como resultado de desigualdade, da falta de investimentos em habitação e de falhas no sistema de avisos de emergência.

Enquanto a população e os órgãos de fiscalização cobram as prefeituras e o governo do Estado de São Paulo por sua atuação - ou falta dela -, o volume de chuva acende um alerta para pesquisadores: como estudar e se preparar para o aumento dos eventos climáticos extremos e cenários cada vez mais imprevisíveis?

Crédito, EPA-EFE/REX/Shutterstock

Legenda da foto,

Tragédia deixou pelo menos 49 mortos

Alerta

Embora sejam necessários estudos para determinar se o evento específico do último fim de semana teve relação direta com as mudanças climáticas, já é um consenso científico que o aquecimento global tem aumentado a frequência e a intensidade de eventos climáticos extremos - como mostram os relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas).

Em entrevista à BBC News Brasil, o meteorologista Marcelo Sluchi afirmou que acredita que possa haver relação entre as chuvas do fim de semana e o aquecimento do planeta.

"Um aumento da temperatura traz um aumento de vapor. Ou seja, para países tropicais como o Brasil, uma mudança de 1ºC significa muito mais vapor do que aumentar 1ºC na Antártida ou na Patagônia", afirmou.

"Você torna o clima tropical mais úmido, mais quente e mais instável. Uma mesma frente fria consegue provocar hoje mais chuva do que há 100, 200 anos. E para piorar, as frentes frias estão ficando mais intensas em algumas circunstâncias", disse ele. "Não é uma situação normal, e justamente as mudanças climáticas determinam um novo normal, né?"

"Esta chuva de 2023 e outras dos últimos anos têm mostrado que diminuiu muito o intervalo de recorrência de eventos extremos, que antes era de 100, de 200 anos", afirma Alessandra Corsi, pesquisadora da seção de investigações, riscos e gerenciamento ambiental do IPT.

Corsi diz acreditar que, mesmo que São Sebastião tivesse implementado todas as recomendações feitas no plano municipal de redução de riscos de 2018, a cidade ainda assim teria tido um desafio em lidar com o volume de chuvas registrado no último fim de semana.

"Minha opinião é que, mesmo que a cidade tivesse colocado tudo em prática, alguma coisa ainda assim iria acontecer", diz ela.

Corsi explica que os deslizamentos chegaram a atingir áreas além das que haviam sido mapeadas na região da Vila Sahy.

"A área atingida depende de uma série de fatores como altura da encosta, volume pluviométrico. Se você tem um acumulado de chuvas de 80 mm, 100 mm (que já eram cenários extremos) o porte do deslizamento vai ser diferente", explica.

O evento climático do último fim de semana foi mais um dos que acenderam o alerta para os pesquisadores de que é preciso atualizar os parâmetros para as análises e recomendações de longo prazo.

"Já estamos pensando nisso, estamos tentando elaborar algum método para que os mapas para eventos extremos sirvam para a defesa civil, sirvam para os municípios repensarem sua forma de ocupação, mas ao mesmo tempo não sejam alarmistas", afirma a pesquisadora.

"Ainda não chegamos a uma resposta", diz Corsi. "Estamos analisando mais de um evento, para conseguir consolidar um método."

Os pesquisadores também estão fazendo buscas de artigos científicos com protocolos internacionais que levem em consideração esse novo cenário causado pelas mudanças climáticas e adaptando esses protocolos para a realidade brasileira.

Apesar desse desafio, as cartas de riscos e planos de redução de riscos existentes continuam relevantes - e têm recomendações que diminuiriam muito o número de vítimas se fossem seguidas, afirma o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, ex-diretor do IPT.

"Chuvas de muito menor intensidade do que a que ocorreu já mataram muita gente nos municípios afetados. Caso as medidas preventivas, corretivas e emergenciais tivessem sido implementadas o número de vítimas seria muito menor", diz.

Crédito, EPA-EFE/REX/Shutterstock

Legenda da foto,

Equipes de resgate procuram sobreviventes

O futuro e o presente

De acordo com Corsi, o que esse novo cenário que maior frequência de eventos extremos aponta é a necessidade de começar desde já uma ampla adaptação das cidades - especialmente as do litoral, que, além de tudo, terão que lidar com o aumento do nível do mar no longo prazo.

"A adaptação deve começar pelo plano diretor, determinando as áreas que não devem ser ocupadas. É preciso também uma mudança no código de obras, para que as construções sejam mais resilientes", diz Corsi. "E todo um trabalho com a comunidade para haver comunicação, treinamento, capacitação."

"É preciso treinar a população para que as pessoas se apropriem dessa percepção de risco e das mudanças climáticas", afirma a pesquisadora.

Isso sem contar os investimentos em habitação e diminuição das desigualdades sociais que hoje, como aponta o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, ex-diretor do IPT, estão no cerne de tragédias como a que afetou o litoral norte de São Paulo - já que as mortes em geral são resultado de ocupação de áreas de alto risco natural por populações sem acesso à moradia adequada.

"É a parte social do problema, atender à demanda habitacional da população de baixa renda, o que terá como decorrência o alívio da pressão de ocupação das áreas de risco por parte dessa população."

"Mais do que nunca se coloca hoje a obrigação dos municípios aplicarem as recomendações do meio técnico expressas, especialmente, nas Cartas Geotécnicas. A atitude preventiva sempre terá um caráter muito mais efetivo do que as corretivas e emergenciais", afirma Rodrigues dos Santos.

Ou seja, se os pesquisadores já estão preocupados em como dar conta de eventos extremos mais frequentes nas análises, os municípios ainda precisam correr atrás de colocar em prática as recomendações já existentes.

O pesquisador aponta as cidades de São Vicente e de Santos como bons exemplos de cidades que tomaram medidas para mitigar os riscos.

"Não mais foram ocupados terrenos em áreas de risco, áreas de alto risco foram desocupadas, obras de contenção e de drenagem foram executadas, cartilhas de orientação para a população foram elaboradas e distribuídas, sendo que o pessoal local participou ativamente de todo o processo", afirma.

"Também foi implantado um Plano de Contingência através do qual em momentos de alerta pluviométrico várias ações são automaticamente e preventivamente tomadas."

O município de São Sebastião não respondeu ao pedido de informações da BBC News Brasil.

A cidade, no entanto, chegou a tomar algumas medidas de prevenção - ela ficou em 32º lugar na lista de cidades resilientes, um programa do governo do Estado que dá uma pontuação para os municípios que mais e melhor investiram em prevenção de risco e em adaptação às mudanças climáticas.

O município teve 79 pontos. Citada como exemplo de boas práticas, Santos ficou em 8º lugar, com 89.5.


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Foto aérea mostra devastação em cidade no litoral

Crédito, Reuters

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Frequência de eventos extremos aumenta com as mudanças climáticas

O município de São Sebastião, o mais afetado pelos temporais que atingiram o litoral norte de São Paulo, tem um plano municipal de redução de riscos elaborado em 2018 pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) que considerava os piores cenários com base nas chuvas mais intensas registradas na cidade.

Em 24h, a região recebeu 640 mm de chuva, número três vezes maior que os 179 mm precipitados em 2014, durante a chuva mais intensa registrada nas últimas décadas.

O tamanho da tragédia no litoral - o total de mortos já chegou a 49 e equipes ainda buscam pessoas soterradas - tem sido apontado por especialistas como resultado de desigualdade, da falta de investimentos em habitação e de falhas no sistema de avisos de emergência.

Enquanto a população e os órgãos de fiscalização cobram as prefeituras e o governo do Estado de São Paulo por sua atuação - ou falta dela -, o volume de chuva acende um alerta para pesquisadores: como estudar e se preparar para o aumento dos eventos climáticos extremos e cenários cada vez mais imprevisíveis?

Crédito, EPA-EFE/REX/Shutterstock

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Tragédia deixou pelo menos 49 mortos

Alerta

Embora sejam necessários estudos para determinar se o evento específico do último fim de semana teve relação direta com as mudanças climáticas, já é um consenso científico que o aquecimento global tem aumentado a frequência e a intensidade de eventos climáticos extremos - como mostram os relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas).

Em entrevista à BBC News Brasil, o meteorologista Marcelo Sluchi afirmou que acredita que possa haver relação entre as chuvas do fim de semana e o aquecimento do planeta.

"Um aumento da temperatura traz um aumento de vapor. Ou seja, para países tropicais como o Brasil, uma mudança de 1ºC significa muito mais vapor do que aumentar 1ºC na Antártida ou na Patagônia", afirmou.

"Você torna o clima tropical mais úmido, mais quente e mais instável. Uma mesma frente fria consegue provocar hoje mais chuva do que há 100, 200 anos. E para piorar, as frentes frias estão ficando mais intensas em algumas circunstâncias", disse ele. "Não é uma situação normal, e justamente as mudanças climáticas determinam um novo normal, né?"

"Esta chuva de 2023 e outras dos últimos anos têm mostrado que diminuiu muito o intervalo de recorrência de eventos extremos, que antes era de 100, de 200 anos", afirma Alessandra Corsi, pesquisadora da seção de investigações, riscos e gerenciamento ambiental do IPT.

Corsi diz acreditar que, mesmo que São Sebastião tivesse implementado todas as recomendações feitas no plano municipal de redução de riscos de 2018, a cidade ainda assim teria tido um desafio em lidar com o volume de chuvas registrado no último fim de semana.

"Minha opinião é que, mesmo que a cidade tivesse colocado tudo em prática, alguma coisa ainda assim iria acontecer", diz ela.

Corsi explica que os deslizamentos chegaram a atingir áreas além das que haviam sido mapeadas na região da Vila Sahy.

"A área atingida depende de uma série de fatores como altura da encosta, volume pluviométrico. Se você tem um acumulado de chuvas de 80 mm, 100 mm (que já eram cenários extremos) o porte do deslizamento vai ser diferente", explica.

O evento climático do último fim de semana foi mais um dos que acenderam o alerta para os pesquisadores de que é preciso atualizar os parâmetros para as análises e recomendações de longo prazo.

"Já estamos pensando nisso, estamos tentando elaborar algum método para que os mapas para eventos extremos sirvam para a defesa civil, sirvam para os municípios repensarem sua forma de ocupação, mas ao mesmo tempo não sejam alarmistas", afirma a pesquisadora.

"Ainda não chegamos a uma resposta", diz Corsi. "Estamos analisando mais de um evento, para conseguir consolidar um método."

Os pesquisadores também estão fazendo buscas de artigos científicos com protocolos internacionais que levem em consideração esse novo cenário causado pelas mudanças climáticas e adaptando esses protocolos para a realidade brasileira.

Apesar desse desafio, as cartas de riscos e planos de redução de riscos existentes continuam relevantes - e têm recomendações que diminuiriam muito o número de vítimas se fossem seguidas, afirma o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, ex-diretor do IPT.

"Chuvas de muito menor intensidade do que a que ocorreu já mataram muita gente nos municípios afetados. Caso as medidas preventivas, corretivas e emergenciais tivessem sido implementadas o número de vítimas seria muito menor", diz.

Crédito, EPA-EFE/REX/Shutterstock

Legenda da foto,

Equipes de resgate procuram sobreviventes

O futuro e o presente

De acordo com Corsi, o que esse novo cenário que maior frequência de eventos extremos aponta é a necessidade de começar desde já uma ampla adaptação das cidades - especialmente as do litoral, que, além de tudo, terão que lidar com o aumento do nível do mar no longo prazo.

"A adaptação deve começar pelo plano diretor, determinando as áreas que não devem ser ocupadas. É preciso também uma mudança no código de obras, para que as construções sejam mais resilientes", diz Corsi. "E todo um trabalho com a comunidade para haver comunicação, treinamento, capacitação."

"É preciso treinar a população para que as pessoas se apropriem dessa percepção de risco e das mudanças climáticas", afirma a pesquisadora.

Isso sem contar os investimentos em habitação e diminuição das desigualdades sociais que hoje, como aponta o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, ex-diretor do IPT, estão no cerne de tragédias como a que afetou o litoral norte de São Paulo - já que as mortes em geral são resultado de ocupação de áreas de alto risco natural por populações sem acesso à moradia adequada.

"É a parte social do problema, atender à demanda habitacional da população de baixa renda, o que terá como decorrência o alívio da pressão de ocupação das áreas de risco por parte dessa população."

"Mais do que nunca se coloca hoje a obrigação dos municípios aplicarem as recomendações do meio técnico expressas, especialmente, nas Cartas Geotécnicas. A atitude preventiva sempre terá um caráter muito mais efetivo do que as corretivas e emergenciais", afirma Rodrigues dos Santos.

Ou seja, se os pesquisadores já estão preocupados em como dar conta de eventos extremos mais frequentes nas análises, os municípios ainda precisam correr atrás de colocar em prática as recomendações já existentes.

O pesquisador aponta as cidades de São Vicente e de Santos como bons exemplos de cidades que tomaram medidas para mitigar os riscos.

"Não mais foram ocupados terrenos em áreas de risco, áreas de alto risco foram desocupadas, obras de contenção e de drenagem foram executadas, cartilhas de orientação para a população foram elaboradas e distribuídas, sendo que o pessoal local participou ativamente de todo o processo", afirma.

"Também foi implantado um Plano de Contingência através do qual em momentos de alerta pluviométrico várias ações são automaticamente e preventivamente tomadas."

O município de São Sebastião não respondeu ao pedido de informações da BBC News Brasil.

A cidade, no entanto, chegou a tomar algumas medidas de prevenção - ela ficou em 32º lugar na lista de cidades resilientes, um programa do governo do Estado que dá uma pontuação para os municípios que mais e melhor investiram em prevenção de risco e em adaptação às mudanças climáticas.

O município teve 79 pontos. Citada como exemplo de boas práticas, Santos ficou em 8º lugar, com 89.5.


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‘Me descobri negra ao ser chamada para ser modelo em um curso de maquiagem’

Lua Bernardo

Crédito, Edu Luz

Legenda da foto,

Lua Bernardo descobriu ser negra só depois dos 25 anos

Quando a musicista Lua Bernardo, de 35 anos, foi chamada para participar como modelo em um curso de maquiagem em 2014, descobriu algo que desconhecia até então: o fato de que é uma mulher negra.

“A companheira de um amigo estava fazendo um curso de maquiagem e queria fazer um estilo afro em uma noiva negra e me convidou para ser modelo. Foi quando a minha ficha começou a cair (sobre ser uma mulher negra)”, comenta Lua à BBC News Brasil.

Filha de mãe branca e pai negro, que não acompanhou o crescimento dela, Lua afirma que passou mais de duas décadas sem entender que é negra. “Só descobri com quase 27 anos”, diz à BBC News Brasil.

Descobertas como a de Lua não são incomuns entre os brasileiros. Em locais como as redes sociais há diversos relatos de pessoas que contam sobre o momento em que se descobriram negras.

Em um livro intitulado Quando me descobri negra, a escritora Bianca Santana narra a sua descoberta. "Tenho 30 anos, mas sou negra há dez. Antes era morena", inicia ela, ao contar experiências que viveu ou ouviu de outras mulheres e homens sobre a forma como se descobriram negros.

Mais recentemente, o assunto se tornou notícia após uma participante do reality show Big Brother Brasil se descobrir negra durante a atração exibida pela Rede Globo.

Na competição, a participante Paula Freitas disse que soube disso durante o confinamento. "Juro, descobri que era preta aqui. Foi naquela hora que ele disse 'vem os pretos tirar foto'", disse.

Durante o diálogo no programa, o médico Fred Nicácio, o responsável por chamar Paula para a foto, comentou que "vários pretos descobrem que são pretos na faculdade".

Essas diferentes maneiras de descobrir sobre o tema, aponta a pesquisadora Daniela Gomes, fazem parte da história de muitas pessoas negras.

“Uma pessoa branca não tem dúvidas do que ela é, ela se olha no espelho e se reconhece. Agora uma pessoa negra, que teve a sua negritude negada ou questionada, se olha no espelho e não se vê como negra, porque o negro é outro”, afirma Daniela, que é professora em estudos da Diáspora Áfricana na Universidade Estadual da Califórnia em San Diego (SDSU).

Crédito, TV Globo

Legenda da foto,

Paula Freitas disse que se descobriu negra durante o BBB

Após a descoberta

É a partir dessa descoberta que muitas coisas vividas no passado começam a fazer sentido para essas pessoas, aponta Daniela.

“Não é algo como acordei de manhã e sou preta. É que você passa a entender que agressões que sofreu, pequenas ou grandes, ocorreram por causa do racismo, entende oportunidades que perdeu e até então isso não tinha nome (até se reconhecer como uma pessoa negra). A partir dessa tomada de consciência, isso passa a ter nome: racismo”, diz a pesquisadora.

No caso de Lua, essa descoberta a levou a recordar situações do passado que hoje avalia como episódios de racismo.

“Entendi que alguns comentários, como o de que o meu cabelo estava muito crespo e precisava de chapinha, já apontavam para isso, mas nunca relacionei isso com questão de raça por estar nesse contexto familiar bem branco”, diz a musicista.

“Mesmo com meu cabelo e alguns traços negróides, eu nunca havia parado pra pensar nisso. O contexto familiar (composto por pessoas brancas) nunca me fez pensar sobre isso”, acrescenta.

A descoberta de que é uma mulher negra foi fundamental para a vida, avalia Lua.

“Essa descoberta me impactou num lugar de pertencimento, de entender esse lugar de estar em uma família branca.”

“Passei a me sentir pertencente a uma comunidade negra, com pessoas negras. Tanto que hoje naturalmente a maioria dos meus amigos são pessoas pretas, porque fui buscando essa ligação”, diz Lua, que considera que o ingresso na universidade também a ajudou a entender melhor a importância da luta contra o racismo.

Crédito, Edu Luz

Legenda da foto,

Lua afirma que passou a entender melhor as suas origens após se descobrir negra

'Processo doloroso, mas necessário'

Segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2021, a população negra soma 56,1% no Brasil. Isso inclui aquelas pessoas que se “autodeclaram pretas e pardas", segundo definição do Estatuto da Igualdade Racial em 2010.

De acordo com essa pesquisa de 2021, os pardos somam cerca de 100 milhões de brasileiros. Eles respondem por 47% da população brasileira, à frente de brancos (43%), pretos (9,1%) e da soma entre indígenas e amarelos (0,9%).

A professora Daniela Gomes afirma que o Brasil tem uma mentalidade racial construída para clarear as pessoas, “um processo de embranquecimento da população construído para negar negritude e racismo”.

“Lá atrás, esse embranquecimento da população, construía uma mentalidade de nação onde por um lado quanto mais escuro mais é afetado pelo racismo e por outro lado o racismo não existe na cabeça da grande maioria da população”, pontua.

“No país há um inconsciente coletivo onde a mentalidade racial aponta para fazer com que as pessoas entendam que ser negro não é legal. Por isso, podem tentar de alguma forma não ser negro. Isso vai desde não se entender com pessoas negras até ao ponto de não se envolver com elas”, declara Daniela.

A estudiosa afirma que o processo de tomada de consciência racial é fundamental.

“Isso envolve muitas coisas, a partir de um espaço social. É parte de uma retomada de consciência que pode envolver situações como acessar outros espaços, fazer parte de grupos ativistas ou se ver isolado em um ambiente predominantemente branco no qual você é o único negro”, diz.

Ela frisa que essa descoberta pode ser um processo doloroso, que demanda apoio emocional e que pode precisar de acolhimento por parte da família e até de movimentos ativistas.

“Isso demanda estudar sobre si e o povo. Ninguém quer ficar do lado da história que perdeu. No caso, a população negra foi vitimizada pela escravidão e sofre racismo desde que esse país existe. Então quem quer se identificar com a negritude? Ninguém quer estar do lado que está sendo destruído e massacrado. Por isso, é um processo doloroso, mas necessário”, afirma.


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Lua Bernardo

Crédito, Edu Luz

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Lua Bernardo descobriu ser negra só depois dos 25 anos

Quando a musicista Lua Bernardo, de 35 anos, foi chamada para participar como modelo em um curso de maquiagem em 2014, descobriu algo que desconhecia até então: o fato de que é uma mulher negra.

“A companheira de um amigo estava fazendo um curso de maquiagem e queria fazer um estilo afro em uma noiva negra e me convidou para ser modelo. Foi quando a minha ficha começou a cair (sobre ser uma mulher negra)”, comenta Lua à BBC News Brasil.

Filha de mãe branca e pai negro, que não acompanhou o crescimento dela, Lua afirma que passou mais de duas décadas sem entender que é negra. “Só descobri com quase 27 anos”, diz à BBC News Brasil.

Descobertas como a de Lua não são incomuns entre os brasileiros. Em locais como as redes sociais há diversos relatos de pessoas que contam sobre o momento em que se descobriram negras.

Em um livro intitulado Quando me descobri negra, a escritora Bianca Santana narra a sua descoberta. "Tenho 30 anos, mas sou negra há dez. Antes era morena", inicia ela, ao contar experiências que viveu ou ouviu de outras mulheres e homens sobre a forma como se descobriram negros.

Mais recentemente, o assunto se tornou notícia após uma participante do reality show Big Brother Brasil se descobrir negra durante a atração exibida pela Rede Globo.

Na competição, a participante Paula Freitas disse que soube disso durante o confinamento. "Juro, descobri que era preta aqui. Foi naquela hora que ele disse 'vem os pretos tirar foto'", disse.

Durante o diálogo no programa, o médico Fred Nicácio, o responsável por chamar Paula para a foto, comentou que "vários pretos descobrem que são pretos na faculdade".

Essas diferentes maneiras de descobrir sobre o tema, aponta a pesquisadora Daniela Gomes, fazem parte da história de muitas pessoas negras.

“Uma pessoa branca não tem dúvidas do que ela é, ela se olha no espelho e se reconhece. Agora uma pessoa negra, que teve a sua negritude negada ou questionada, se olha no espelho e não se vê como negra, porque o negro é outro”, afirma Daniela, que é professora em estudos da Diáspora Áfricana na Universidade Estadual da Califórnia em San Diego (SDSU).

Crédito, TV Globo

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Paula Freitas disse que se descobriu negra durante o BBB

Após a descoberta

É a partir dessa descoberta que muitas coisas vividas no passado começam a fazer sentido para essas pessoas, aponta Daniela.

“Não é algo como acordei de manhã e sou preta. É que você passa a entender que agressões que sofreu, pequenas ou grandes, ocorreram por causa do racismo, entende oportunidades que perdeu e até então isso não tinha nome (até se reconhecer como uma pessoa negra). A partir dessa tomada de consciência, isso passa a ter nome: racismo”, diz a pesquisadora.

No caso de Lua, essa descoberta a levou a recordar situações do passado que hoje avalia como episódios de racismo.

“Entendi que alguns comentários, como o de que o meu cabelo estava muito crespo e precisava de chapinha, já apontavam para isso, mas nunca relacionei isso com questão de raça por estar nesse contexto familiar bem branco”, diz a musicista.

“Mesmo com meu cabelo e alguns traços negróides, eu nunca havia parado pra pensar nisso. O contexto familiar (composto por pessoas brancas) nunca me fez pensar sobre isso”, acrescenta.

A descoberta de que é uma mulher negra foi fundamental para a vida, avalia Lua.

“Essa descoberta me impactou num lugar de pertencimento, de entender esse lugar de estar em uma família branca.”

“Passei a me sentir pertencente a uma comunidade negra, com pessoas negras. Tanto que hoje naturalmente a maioria dos meus amigos são pessoas pretas, porque fui buscando essa ligação”, diz Lua, que considera que o ingresso na universidade também a ajudou a entender melhor a importância da luta contra o racismo.

Crédito, Edu Luz

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Lua afirma que passou a entender melhor as suas origens após se descobrir negra

'Processo doloroso, mas necessário'

Segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2021, a população negra soma 56,1% no Brasil. Isso inclui aquelas pessoas que se “autodeclaram pretas e pardas", segundo definição do Estatuto da Igualdade Racial em 2010.

De acordo com essa pesquisa de 2021, os pardos somam cerca de 100 milhões de brasileiros. Eles respondem por 47% da população brasileira, à frente de brancos (43%), pretos (9,1%) e da soma entre indígenas e amarelos (0,9%).

A professora Daniela Gomes afirma que o Brasil tem uma mentalidade racial construída para clarear as pessoas, “um processo de embranquecimento da população construído para negar negritude e racismo”.

“Lá atrás, esse embranquecimento da população, construía uma mentalidade de nação onde por um lado quanto mais escuro mais é afetado pelo racismo e por outro lado o racismo não existe na cabeça da grande maioria da população”, pontua.

“No país há um inconsciente coletivo onde a mentalidade racial aponta para fazer com que as pessoas entendam que ser negro não é legal. Por isso, podem tentar de alguma forma não ser negro. Isso vai desde não se entender com pessoas negras até ao ponto de não se envolver com elas”, declara Daniela.

A estudiosa afirma que o processo de tomada de consciência racial é fundamental.

“Isso envolve muitas coisas, a partir de um espaço social. É parte de uma retomada de consciência que pode envolver situações como acessar outros espaços, fazer parte de grupos ativistas ou se ver isolado em um ambiente predominantemente branco no qual você é o único negro”, diz.

Ela frisa que essa descoberta pode ser um processo doloroso, que demanda apoio emocional e que pode precisar de acolhimento por parte da família e até de movimentos ativistas.

“Isso demanda estudar sobre si e o povo. Ninguém quer ficar do lado da história que perdeu. No caso, a população negra foi vitimizada pela escravidão e sofre racismo desde que esse país existe. Então quem quer se identificar com a negritude? Ninguém quer estar do lado que está sendo destruído e massacrado. Por isso, é um processo doloroso, mas necessário”, afirma.


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Regulação de mídias sociais: Dino diz que big techs foram irresponsáveis com ataques de 8 de janeiro

Flávio Dino em entrevista

Crédito, Mariano Júnior/BBC News Brasil

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Em entrevista à BBC News Brasil, Flávio Dino afirma que a ação policial, sozinha, não conseguirá acabar com os garimpos ilegais da Terra Indígena Yanomami

Nos 54 dias em que Flávio Dino atuou como ministro da Justiça até a última sexta-feira (25/02), ele se tornou em uma figura praticamente onipresente no noticiário nacional e internacional.

Em pouco mais de dois meses, ele foi um dos principais responsáveis por lidar com as duas primeiras crises do terceiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT): os ataques às sedes dos Três Poderes no dia 8 de janeiro, em Brasília; e a crise humanitária do povo indígena yanomami, em Roraima.

E foi com a crise dos atos de 8 de janeiro no retrovisor que Dino aproveitou para defender uma das pautas mais polêmicas levantadas pelo governo Lula - a regulação das mídias sociais.

Nos últimos dias, o governo voltou a defender que as empresas de tecnologia que atuam no setor de redes sociais devem ser responsabilizadas pela propagação de conteúdos que violem ou encorajem a violação da lei.

Questionado, ele disse que as chamadas big techs das redes sociais foram irresponsáveis ao permitirem a propagação de convocações para os atos que resultaram nos ataques do início do ano, em Brasília, mesmo depois dos atos violentos que ocorreram em dezembro, durante a diplomação do presidente Lula.

"Infelizmente, sim (foram irresponsáveis). Essas empresas, todas elas de um modo geral, podem se auto-regular e elas fazem isso. Existem filtros na internet? Sim ou não? Claro que existem. Existem mecanismos pelos quais as big techs sabem o que está circulando e induzem, inclusive, a circulação de certos conteúdos. Ou seja, os meios tecnológicos existem. Não quiseram fazer", disse o ministro.

Dino também afirmou que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) não será alvo de perseguição política e comentou o temor que o ex-mandatário disse ter de ser preso ao retornar ao Brasil. Bolsonaro viajou para a Flórida, nos Estados Unidos, no final de dezembro do ano passado.

"Acho que isso é mais um temor dele mesmo. Um temor, quem sabe, psicológico. Ou ele sabe de alguma coisa que a polícia não sabe ainda", afirmou Dino.

Na entrevista, o ministro também falou sobre a crise no território yanomami e afirmou que atuação policial não será suficiente para conter o problema e que projetos para o desenvolvimento econômico da Amazônia devem ser postos em prática.

Dino também comentou o caso do jogador de futebol Robinho, condenado na Itália por estupro. O atleta nega ter cometido o crime.

Nos últimos dias, o governo brasileiro deu um parecer atendendo a um pedido do governo italiano que pediu que o jogador, que não poderia ser extraditado, cumprisse sua pena no Brasil.

O parecer do Ministério da Justiça indicou que essa possibilidade é legal e o caso, agora, depende de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Para Dino, a posição do ministério deverá ter um caráter "pedagógico" contra a impunidade.

"Tem um caráter pedagógico em relação à expectativa de impunidade e tem um caráter de convite a outros países para que também colaborem com o Brasil", disse o ministro.

Confira os principais trechos da entrevista:

BBC News Brasil - Na década de 90, o governo brasileiro também fez uma grande retirada de garimpeiros da Terra Indígena Yanomami, mas eles voltaram causando bastante dano. Como garantir que isso não vai acontecer agora de novo?

Flávio Dino - Houve, em verdade, um incentivo ao garimpo ilegal, seja por questões legislativas, seja pela ausência de fiscalização. A principal garantia de evitar essa reincidência, não só nas terras yanomami como em outras é termos um duplo movimento. Em primeiro lugar, a continuidade da ação fiscalizadora repressiva. Por outro lado, é preciso haver projetos que, de fato, possibilitem que haja alternativas econômicas para os filhos e filhas da Amazônia. A polícia não resolverá sozinha a questão da sustentabilidade ambiental e da segurança climática.

BBC News Brasil - Já se fala em migração desses garimpeiros para outras áreas da Amazônia. É plausível imaginar que o Brasil consiga, nesta administração, acabar com o garimpo ilegal em terras indígenas?

Dino - É plausível e necessário. Todos os esforços estão sendo feitos. Lembremos que nós temos só dois meses de governo. Ações inéditas foram executadas, por exemplo, contra a lavagem do ouro ilegal. Não basta apenas enfrentar o garimpo no solo desta ou daquela terra indígena. É preciso enfrentar quem financia, como nós estamos fazendo. É preciso enfrentar quem faz a lavagem do ouro ilegal [...] e com isso você consegue de fato, destroçar essa cadeia criminosa que se formou em torno dos garimpos ilegais no Brasil. Além dessa desintrusão na terra indígena, a yanomami, nós teremos mais seis intrusões neste ano.

BBC News Brasil - Investigações da Polícia Federal têm mostrado que grande parte desse ouro ilegal é exportado para outros países na Europa, na Ásia, e em outras regiões do mundo. Qual é a responsabilidade desses países em relação à crise humanitária que a gente está vendo hoje na Terra Indígena Yanomami?

Dino - Nós temos um elo anterior nessa cadeia criminosa que deriva de um problema legislativo que é a presunção de boa-fé. Na primeira aquisição desse ouro, que é ilegal, o vendedor chega e auto-declara a origem como sendo, por exemplo, de um outro lugar onde há permissão da lavra. Há, portanto, legalidade. E com isso, aquilo que é ilegítimo se transforma em legítimo e entra no mercado. Hoje, nós não temos elementos jurídicos para afirmar que esses adquirentes fora do Brasil sabem disso. O certo é que é preciso cortar exatamente o primeiro elo.

BBC News Brasil - O senhor acha que esses países que importam esse ouro do Brasil poderiam ter sido mais cuidadosos na escolha dos seus fornecedores? Os países que importam esse ouro na sua avaliação, neste momento, não têm responsabilidade pelo que está acontecendo?

Dino - Não posso presumir que essas empresas e outros países tivessem condições de saber disto. Eu prefiro trabalhar naquilo que nos cabe que é aquilo que ocorre no Brasil. Evidentemente, em outro momento, podemos discutir com a comunidade internacional.

Crédito, Getty Images

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Mineração e falta de políticas públicas representam ameaças aos povos indígenas, segundo Corte Interamericana de Direitos Humanos

BBC News Brasil - O senhor disse recentemente que os donos dos garimpos ilegais em algum momento seriam presos, mas até agora foram feitas poucas prisões. Por que esses supostos donos dessas minas ainda estão livres?

Dino - Nós temos uma ação emergencial que está sendo executada, que é chamada desintrusão. É preciso entender uma operação complexa dessas em que é preciso ter prudência e bom senso para não gerar mais danos. Estamos falando de dezenas de milhares de pessoas. Imaginemos uma ação mal planejada? Isso poderia resultar em dezenas ou centenas de pessoas mortas, por exemplo. Então, é preciso ter seriedade e compreender um planejamento que é feito em fases. Fase um - desintrusão. Está quase toda finalizada [...] Nós já tivemos prisões em relação a outros elos da cadeia. Já tivemos bens bloqueados e apreendidos. O inquérito policial seguirá independentemente da desintrusão, tendo como alvos aqueles que financiam ou donos que fazem a lavagem. E tendo como alvo, também, paralelamente, aqueles que desviaram o dinheiro da saúde indígena.

BBC News Brasil - Mudando de tema, o senhor afirmou recentemente que foi o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro que se meteu na investigação sobre os ataques de 8 de janeiro ao postar um vídeo na internet sobre o assunto. Isto é realmente suficiente para afirmar que Bolsonaro tem algum tipo de envolvimento com o que aconteceu?

Dino - A responsabilidade política é definida a partir da emulação de ideias, de valores, cultura do ódio, ataques ao Supremo, ataques às instituições democráticas. Isto está, a meu ver, cabalmente configurado. Em relação à responsabilidade jurídica formalmente, ele é investigado porque publicou um vídeo que chancela os atos antidemocráticos. Depois retirou, é verdade. E, mais recentemente, dois aliados políticos dele revelaram que participaram de uma reunião em um palácio presidencial para discutir uma ação ilegal. Então, por isso que eu disse que, hoje, o ex-presidente da República Bolsonaro, comparece como investigado nos inquéritos por atos dele mesmo. Não há uma orientação política do Ministério da Justiça ou do governo de um modo geral para que ele seja investigado. Ele que se colocou na condição de investigado.

BBC News Brasil - Muita gente diz que o ex-presidente Bolsonaro pode ser preso se voltar ao Brasil. Ele mesmo já mencionou isso. Quais são as reais chances de isso acontecer?

Dino - Eu não posso afirmar o que o Poder Judiciário fará. Hoje, há elementos conducentes à prisão do ex -presidente Bolsonaro? Que eu saiba, não. Há uma investigação e essa investigação vai continuar porque não há perseguição, mas também não há leniência. Acho que isso é mais um temor dele mesmo. Um temor, quem sabe, psicológico. Ou ele sabe de alguma coisa que a polícia não sabe ainda. Mas creio que hoje ele não tem contra si nenhum pedido de prisão. Poderá ter em algum momento? Eu não sei, você não sabe, ninguém sabe. Agora, ele próprio revela um medo, um pânico e ele deve ter os motivos dele.

BBC News Brasil - O senhor teme que uma eventual prisão do ex -presidente Bolsonaro possa desencadear uma nova onda de violência de ataques como vimos em janeiro?

Dino - A aferição do cabimento da prisão de uma pessoa não obedece a esse tipo de critério porque isso (o critério) é eminentemente político. (A aferição) é um critério mais legal. A prisão é necessária para a investigação? Sim ou não? Essa é a resposta (pergunta) que talvez seja feita.

Crédito, Mariano Júnior/BBC News Brasil

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Em entrevista à BBC News Brasil, Flávio Dino afirma que atuação policial não será suficiente para conter crise no território yanomami

BBC News Brasil - Mas o senhor teme que isso possa vir a acontecer?

Dino - Não me cabe avaliar isso porque seria uma ingerência no Poder Judiciário. Eu tenho que respeitar a independência do Poder Judiciário. Não vejo hoje, de um modo geral, condições sociais para que esse golpismo emerja novamente. Eu creio que ele foi vencido. Ainda que de modo não definitivo.

BBC News Brasil - Bolsonaro é, talvez, o principal adversário político do presidente Lula. Como garantir a ele e à sociedade que ele não será alvo de uma perseguição política desse governo?

Dino - Quem decide medidas de força no Brasil não é o governo, é a Justiça, que é um poder independente [...] Ele não pode ter privilégio. Ele não pode ter imunidade nenhuma. Nenhum presidente da República, por ter sido presidente da República, está imune a prestar contas à Justiça.

BBC News Brasil - Mas as decisões que também levaram à prisão do presidente Lula também foram proferidas por um Judiciário independente. O senhor e aliados dizem que isso foi resultado de uma perseguição política. Por que foi perseguição política lá e não pode ser agora?

Dino - Porque no caso do presidente Lula, quem disse que foi errado? Foi perseguição política. Não fui eu, foi o Judiciário. Lembremos que o Supremo Tribunal Federal, ou seja, o órgão de cúpula do Poder Judiciário, anulou tudo, desfez tudo, e disse que estava tudo errado.

BBC News Brasil - Na sua opinião, houve conivência dos militares com o que aconteceu no dia 8 de janeiro, em Brasília?

Dino - Eu não diria dos militares, genericamente, porque a imensa maioria dos militares se comportou e tem se comportado como guardiã da legalidade democrática. As Forças Armadas têm tido um comportamento profissional. Agora, membros das Forças Armadas, obviamente, por ação ou omissão, participaram daqueles crimes. E isto deve ser investigado porque todas as pessoas devem ser investigadas de acordo com as provas. A farda e o uniforme não dão imunidade a ninguém. Nós temos hoje, infelizmente, indícios graves de que alguns militares, inclusive da ativa, participaram (dos atos de 8 de janeiro) por ação ou omissão.

BBC News Brasil - No Brasil, por conta da Lei da Anistia, o país não puniu os militares que eventualmente cometeram crimes. O Brasil tem estrutura institucional para punir os militares que supostamente participaram dos atos de 8 de janeiro?

Dino - Nós temos uma estrutura institucional que está se movendo. No caso da Polícia Militar do Distrito Federal, há seis ou sete inquéritos policiais militares. Nas Forças Armadas, também há inquéritos que tramitam junto ao Ministério Público Militar. E há também um pedido da Polícia Federal ao ministro Alexandre de Moraes para realização de atos de investigação, inclusive em relação a militares da ativa. Estamos aguardando a decisão do Supremo. É imprescindível identificar todos aqueles que participaram de crimes civis ou militares.

BBC News Brasil - O governo defende que as mídias sociais sejam regulamentadas e processadas se elas não conseguirem impedir a disseminação de desinformação. Isso não pode configurar algum tipo de censura, como afirmam alguns críticos?

Dino - Esse é um debate internacional, o que mostra que não é um tema específico deste governo [...] É uma questão da sociedade. Não existe nenhuma instituição humana que seja desregulada [...] Por que a internet deve ser governada pela lei da selva? Pelo vale-tudo? [...] No caso da proposta do Ministério da Justiça, nós não estamos tratando de desinformação abstratamente. Nós estamos tratando de seis crimes tipificados em lei [...] Por que a internet pode permitir que pessoas ensinem a matar pessoas, a fabricar bombas para destruir prédios? Um shopping center pode fazer isso? [...] Por que a internet pode? Para maximizar lucros com uma cultura da violência, do ódio, do antagonismo?

BBC News Brasil - Em outros países, o lobby das grandes empresas de tecnologia, as chamadas big techs, tem se provado razoavelmente forte para combater iniciativas como esta que o governo brasileiro defende. Como esta administração vai enfrentar as big techs nesse debate?

Dino - Iluminando o tema. Quando você adota uma postura séria e uma postura nítida de defesa de uma posição, como nós fizemos, nós estamos ajudando a que toda a sociedade reflita sobre o assunto. Então nós estamos dando a nossa contribuição. O Ministério da Justiça fez uma proposta, entregou ao presidente da República [...] Na verdade, nós queremos proteger a liberdade de expressão porque só existe uma forma de proteger a liberdade de expressão que é enfrentar os abusos.

BBC News Brasil - Há uma série de relatos, relatórios e reportagens mostrando que, mesmo após os ataques que ocorreram durante a diplomação do presidente Lula, em dezembro de 2022, empresas de tecnologia e mídias sociais continuaram permitindo a veiculação de convocações para atos que se provaram violentos, em Brasília. Na sua avaliação, as big techs foram irresponsáveis ao não coibir a propagação desse tipo de conteúdo?

Dino - Infelizmente, sim. Essas empresas, todas elas de um modo geral, podem se auto-regular e elas fazem isso. Existem filtros na internet? Sim ou não? Claro que existem. Existem mecanismos pelos quais as big techs sabem o que está circulando e induzem, inclusive, a circulação de certos conteúdos. Ou seja, os meios tecnológicos existem. Não quiseram fazer. Se a auto-regulação falha, é óbvio que a regulação é externa e ainda mais necessária.

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Invasores deixaram danos nos prédios dos Três Poderes

BBC News Brasil - Uma das principais críticas tanto a esse projeto quanto à criação de uma Procuradoria de Defesa da Democracia lá na Advocacia-Geral da União (AGU), é de que não caberia a uma instituição governamental dizer ou determinar o que é verdade ou não. Como é que isso reage a essa crítica?

Dino - O projeto do Ministério da Justiça não adota como critério o que é verdade ou o que não é. O nosso projeto adota como critério o que é crime e o que não é. Nós temos crimes. Crimes que são definidos não por mim, mas pelo Congresso. Se você chega e diz assim, "eu não gosto da pessoa chamada Pedro", isto é uma opinião. Se eu digo assim, "eu não gosto de uma pessoa chamada Pedro e por isso eu vou pegar uma bomba e vou jogar na escola onde ele ensina", isto não é uma opinião.

BBC News Brasil - Nos últimos anos, centenas de milhares de novas armas foram adquiridas no Brasil. Esse governo emitiu um decreto dando 60 dias para que fosse feito um recadastramento dessas armas. O que vai acontecer com os donos que não cumprirem esse cadastro? O governo tem condições de confiscar as armas que não forem recadastradas?

Dino - Quem não cumpriu o recadastramento (no prazo)? No dia seguinte, estas armas existentes passarão a ser ilegais e suscetíveis de apreensão. Também ficarão suscetíveis de identificação os proprietários para que eles sejam apresentados ao Ministério Público. Para as pessoas que, hoje, têm estoques de armas que estão além dos novos parâmetros que nós vamos estabelecer, nós vamos oferecer, caso a pessoa declare (as armas), a opção de recompra. O meu pedido sincero a todos esses armamentistas é que façam o cadastro, porque não haverá ato arbitrário contra ninguém.

BBC News Brasil - O governo tem condição técnica de localizar, identificar e confiscar estas armas?

Dino - De uma vez só? Claro que não.

BBC News Brasil - O Primeiro Comando da Capital (PCC) é hoje uma das maiores fações criminosas do país. É possível acabar com o PCC ou ele é uma força com a qual o Brasil vai ter que lidar nos próximos anos?

Dino - O crime organizado é um fenômeno global. As máfias, as organizações mafiosas sempre desafiaram as nações. Temos casos na Colômbia, nos Estados Unidos e na Itália. Nós tivemos esse crescimento, infelizmente, nos últimos anos. Nós estamos atuando agora na coordenação das polícias [...] Esse combate vai produzir resultados amanhã ou depois de amanhã? Claro que não, porque essas organizações estão se formando ao longo de décadas. Mas é preciso enfrentá -las.

BBC News Brasil - Não ficou claro se o senhor acredita que é possível acabar com o PCC ou não…

Dino - É claro que é possível acabar com o PCC. A questão é o prazo. E volto a dizer, não é instantâneo, mas o enfrentamento competente, com inteligência, com descapitalização, combatendo a lavagem, algumas mudanças e lavagem de dinheiro, algumas mudanças legais, o debate no Supremo sobre lei de drogas e assim sucessivamente, podem resultar numa diminuição do poder dos cartéis.

BBC News Brasil - A Colômbia tem adotado uma estratégia de se afastar da erradicação das plantações de coca. Uma consequência lógica disso seria um aumento do estoque dessa matéria-prima para a produção de cocaína e o Brasil é um dos principais corredores de exportação deste produto. Em que medida o Brasil é afetado por essa política?

Dino - Assim como nós podemos refletir sobre isso, outros países vizinhos ao nosso refletem sobre a atuação de organizações brasileiras nos seus territórios. Por isso que o caminho não é propriamente a imposição de acusações entre países e sim o trabalho conjunto. E é isso que nós vamos buscar.

BBC News Brasil - O senhor hesitou em criticar a política adotada pelo governo colombiano e a gente sabe que o governo colombiano é de uma linha ideológica próxima à do presidente Lula. Como é que o senhor reage à crítica de que esse governo pode estar sendo, de alguma forma, leniente com com uma política que pode ter impactos no Brasil?

Dino - Nós temos feito todos os dias apreensão de drogas. Fizemos hoje, fizemos semana passada e vamos fazer amanhã. Onde está essa leniência? A não ser na ficção daqueles que acham que a Terra é plana? [...] Eu sou um defensor da soberania brasileira e eu respeito a soberania dos outros países e esse é um parâmetro constitucional. Então, eu não opino sobre assuntos domésticos dos Estados Unidos, da China ou da Argentina, ou do Paraguai, ou da Angola, ou da África do Sul.

BBC News Brasil - O governo brasileiro se manifestou em relação a um pedido da Itália no sentido de que o jogador Robinho possa cumprir sua pena no Brasil. Qual o impacto que o senhor acredita que uma medida pode ter para outros brasileiros?

Dino - O que nós precisamos entender é que essa cooperação jurídica internacional é bem-vinda [...] ela é positiva no sentido de reduzir a impunidade. Assim como nós queremos que brasileiros que estão em outros países, porque fugiram do cumprimento da lei ao cometerem crimes no Brasil [...] então, por reciprocidade, creio que o Brasil deve colaborar para que a lei seja cumprida.

BBC News Brasil - O senhor acha que o posicionamento do governo brasileiro em relação a esse caso concreto do jogador Robinho tem um caráter pedagógico em relação à expectativa de impunidade?

Dino -Tem um caráter pedagógico em relação à expectativa de impunidade e tem um caráter de convite a outros países para que também colaborem com o Brasil.


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Flávio Dino em entrevista

Crédito, Mariano Júnior/BBC News Brasil

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Em entrevista à BBC News Brasil, Flávio Dino afirma que a ação policial, sozinha, não conseguirá acabar com os garimpos ilegais da Terra Indígena Yanomami

Nos 54 dias em que Flávio Dino atuou como ministro da Justiça até a última sexta-feira (25/02), ele se tornou em uma figura praticamente onipresente no noticiário nacional e internacional.

Em pouco mais de dois meses, ele foi um dos principais responsáveis por lidar com as duas primeiras crises do terceiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT): os ataques às sedes dos Três Poderes no dia 8 de janeiro, em Brasília; e a crise humanitária do povo indígena yanomami, em Roraima.

E foi com a crise dos atos de 8 de janeiro no retrovisor que Dino aproveitou para defender uma das pautas mais polêmicas levantadas pelo governo Lula - a regulação das mídias sociais.

Nos últimos dias, o governo voltou a defender que as empresas de tecnologia que atuam no setor de redes sociais devem ser responsabilizadas pela propagação de conteúdos que violem ou encorajem a violação da lei.

Questionado, ele disse que as chamadas big techs das redes sociais foram irresponsáveis ao permitirem a propagação de convocações para os atos que resultaram nos ataques do início do ano, em Brasília, mesmo depois dos atos violentos que ocorreram em dezembro, durante a diplomação do presidente Lula.

"Infelizmente, sim (foram irresponsáveis). Essas empresas, todas elas de um modo geral, podem se auto-regular e elas fazem isso. Existem filtros na internet? Sim ou não? Claro que existem. Existem mecanismos pelos quais as big techs sabem o que está circulando e induzem, inclusive, a circulação de certos conteúdos. Ou seja, os meios tecnológicos existem. Não quiseram fazer", disse o ministro.

Dino também afirmou que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) não será alvo de perseguição política e comentou o temor que o ex-mandatário disse ter de ser preso ao retornar ao Brasil. Bolsonaro viajou para a Flórida, nos Estados Unidos, no final de dezembro do ano passado.

"Acho que isso é mais um temor dele mesmo. Um temor, quem sabe, psicológico. Ou ele sabe de alguma coisa que a polícia não sabe ainda", afirmou Dino.

Na entrevista, o ministro também falou sobre a crise no território yanomami e afirmou que atuação policial não será suficiente para conter o problema e que projetos para o desenvolvimento econômico da Amazônia devem ser postos em prática.

Dino também comentou o caso do jogador de futebol Robinho, condenado na Itália por estupro. O atleta nega ter cometido o crime.

Nos últimos dias, o governo brasileiro deu um parecer atendendo a um pedido do governo italiano que pediu que o jogador, que não poderia ser extraditado, cumprisse sua pena no Brasil.

O parecer do Ministério da Justiça indicou que essa possibilidade é legal e o caso, agora, depende de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Para Dino, a posição do ministério deverá ter um caráter "pedagógico" contra a impunidade.

"Tem um caráter pedagógico em relação à expectativa de impunidade e tem um caráter de convite a outros países para que também colaborem com o Brasil", disse o ministro.

Confira os principais trechos da entrevista:

BBC News Brasil - Na década de 90, o governo brasileiro também fez uma grande retirada de garimpeiros da Terra Indígena Yanomami, mas eles voltaram causando bastante dano. Como garantir que isso não vai acontecer agora de novo?

Flávio Dino - Houve, em verdade, um incentivo ao garimpo ilegal, seja por questões legislativas, seja pela ausência de fiscalização. A principal garantia de evitar essa reincidência, não só nas terras yanomami como em outras é termos um duplo movimento. Em primeiro lugar, a continuidade da ação fiscalizadora repressiva. Por outro lado, é preciso haver projetos que, de fato, possibilitem que haja alternativas econômicas para os filhos e filhas da Amazônia. A polícia não resolverá sozinha a questão da sustentabilidade ambiental e da segurança climática.

BBC News Brasil - Já se fala em migração desses garimpeiros para outras áreas da Amazônia. É plausível imaginar que o Brasil consiga, nesta administração, acabar com o garimpo ilegal em terras indígenas?

Dino - É plausível e necessário. Todos os esforços estão sendo feitos. Lembremos que nós temos só dois meses de governo. Ações inéditas foram executadas, por exemplo, contra a lavagem do ouro ilegal. Não basta apenas enfrentar o garimpo no solo desta ou daquela terra indígena. É preciso enfrentar quem financia, como nós estamos fazendo. É preciso enfrentar quem faz a lavagem do ouro ilegal [...] e com isso você consegue de fato, destroçar essa cadeia criminosa que se formou em torno dos garimpos ilegais no Brasil. Além dessa desintrusão na terra indígena, a yanomami, nós teremos mais seis intrusões neste ano.

BBC News Brasil - Investigações da Polícia Federal têm mostrado que grande parte desse ouro ilegal é exportado para outros países na Europa, na Ásia, e em outras regiões do mundo. Qual é a responsabilidade desses países em relação à crise humanitária que a gente está vendo hoje na Terra Indígena Yanomami?

Dino - Nós temos um elo anterior nessa cadeia criminosa que deriva de um problema legislativo que é a presunção de boa-fé. Na primeira aquisição desse ouro, que é ilegal, o vendedor chega e auto-declara a origem como sendo, por exemplo, de um outro lugar onde há permissão da lavra. Há, portanto, legalidade. E com isso, aquilo que é ilegítimo se transforma em legítimo e entra no mercado. Hoje, nós não temos elementos jurídicos para afirmar que esses adquirentes fora do Brasil sabem disso. O certo é que é preciso cortar exatamente o primeiro elo.

BBC News Brasil - O senhor acha que esses países que importam esse ouro do Brasil poderiam ter sido mais cuidadosos na escolha dos seus fornecedores? Os países que importam esse ouro na sua avaliação, neste momento, não têm responsabilidade pelo que está acontecendo?

Dino - Não posso presumir que essas empresas e outros países tivessem condições de saber disto. Eu prefiro trabalhar naquilo que nos cabe que é aquilo que ocorre no Brasil. Evidentemente, em outro momento, podemos discutir com a comunidade internacional.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Mineração e falta de políticas públicas representam ameaças aos povos indígenas, segundo Corte Interamericana de Direitos Humanos

BBC News Brasil - O senhor disse recentemente que os donos dos garimpos ilegais em algum momento seriam presos, mas até agora foram feitas poucas prisões. Por que esses supostos donos dessas minas ainda estão livres?

Dino - Nós temos uma ação emergencial que está sendo executada, que é chamada desintrusão. É preciso entender uma operação complexa dessas em que é preciso ter prudência e bom senso para não gerar mais danos. Estamos falando de dezenas de milhares de pessoas. Imaginemos uma ação mal planejada? Isso poderia resultar em dezenas ou centenas de pessoas mortas, por exemplo. Então, é preciso ter seriedade e compreender um planejamento que é feito em fases. Fase um - desintrusão. Está quase toda finalizada [...] Nós já tivemos prisões em relação a outros elos da cadeia. Já tivemos bens bloqueados e apreendidos. O inquérito policial seguirá independentemente da desintrusão, tendo como alvos aqueles que financiam ou donos que fazem a lavagem. E tendo como alvo, também, paralelamente, aqueles que desviaram o dinheiro da saúde indígena.

BBC News Brasil - Mudando de tema, o senhor afirmou recentemente que foi o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro que se meteu na investigação sobre os ataques de 8 de janeiro ao postar um vídeo na internet sobre o assunto. Isto é realmente suficiente para afirmar que Bolsonaro tem algum tipo de envolvimento com o que aconteceu?

Dino - A responsabilidade política é definida a partir da emulação de ideias, de valores, cultura do ódio, ataques ao Supremo, ataques às instituições democráticas. Isto está, a meu ver, cabalmente configurado. Em relação à responsabilidade jurídica formalmente, ele é investigado porque publicou um vídeo que chancela os atos antidemocráticos. Depois retirou, é verdade. E, mais recentemente, dois aliados políticos dele revelaram que participaram de uma reunião em um palácio presidencial para discutir uma ação ilegal. Então, por isso que eu disse que, hoje, o ex-presidente da República Bolsonaro, comparece como investigado nos inquéritos por atos dele mesmo. Não há uma orientação política do Ministério da Justiça ou do governo de um modo geral para que ele seja investigado. Ele que se colocou na condição de investigado.

BBC News Brasil - Muita gente diz que o ex-presidente Bolsonaro pode ser preso se voltar ao Brasil. Ele mesmo já mencionou isso. Quais são as reais chances de isso acontecer?

Dino - Eu não posso afirmar o que o Poder Judiciário fará. Hoje, há elementos conducentes à prisão do ex -presidente Bolsonaro? Que eu saiba, não. Há uma investigação e essa investigação vai continuar porque não há perseguição, mas também não há leniência. Acho que isso é mais um temor dele mesmo. Um temor, quem sabe, psicológico. Ou ele sabe de alguma coisa que a polícia não sabe ainda. Mas creio que hoje ele não tem contra si nenhum pedido de prisão. Poderá ter em algum momento? Eu não sei, você não sabe, ninguém sabe. Agora, ele próprio revela um medo, um pânico e ele deve ter os motivos dele.

BBC News Brasil - O senhor teme que uma eventual prisão do ex -presidente Bolsonaro possa desencadear uma nova onda de violência de ataques como vimos em janeiro?

Dino - A aferição do cabimento da prisão de uma pessoa não obedece a esse tipo de critério porque isso (o critério) é eminentemente político. (A aferição) é um critério mais legal. A prisão é necessária para a investigação? Sim ou não? Essa é a resposta (pergunta) que talvez seja feita.

Crédito, Mariano Júnior/BBC News Brasil

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Em entrevista à BBC News Brasil, Flávio Dino afirma que atuação policial não será suficiente para conter crise no território yanomami

BBC News Brasil - Mas o senhor teme que isso possa vir a acontecer?

Dino - Não me cabe avaliar isso porque seria uma ingerência no Poder Judiciário. Eu tenho que respeitar a independência do Poder Judiciário. Não vejo hoje, de um modo geral, condições sociais para que esse golpismo emerja novamente. Eu creio que ele foi vencido. Ainda que de modo não definitivo.

BBC News Brasil - Bolsonaro é, talvez, o principal adversário político do presidente Lula. Como garantir a ele e à sociedade que ele não será alvo de uma perseguição política desse governo?

Dino - Quem decide medidas de força no Brasil não é o governo, é a Justiça, que é um poder independente [...] Ele não pode ter privilégio. Ele não pode ter imunidade nenhuma. Nenhum presidente da República, por ter sido presidente da República, está imune a prestar contas à Justiça.

BBC News Brasil - Mas as decisões que também levaram à prisão do presidente Lula também foram proferidas por um Judiciário independente. O senhor e aliados dizem que isso foi resultado de uma perseguição política. Por que foi perseguição política lá e não pode ser agora?

Dino - Porque no caso do presidente Lula, quem disse que foi errado? Foi perseguição política. Não fui eu, foi o Judiciário. Lembremos que o Supremo Tribunal Federal, ou seja, o órgão de cúpula do Poder Judiciário, anulou tudo, desfez tudo, e disse que estava tudo errado.

BBC News Brasil - Na sua opinião, houve conivência dos militares com o que aconteceu no dia 8 de janeiro, em Brasília?

Dino - Eu não diria dos militares, genericamente, porque a imensa maioria dos militares se comportou e tem se comportado como guardiã da legalidade democrática. As Forças Armadas têm tido um comportamento profissional. Agora, membros das Forças Armadas, obviamente, por ação ou omissão, participaram daqueles crimes. E isto deve ser investigado porque todas as pessoas devem ser investigadas de acordo com as provas. A farda e o uniforme não dão imunidade a ninguém. Nós temos hoje, infelizmente, indícios graves de que alguns militares, inclusive da ativa, participaram (dos atos de 8 de janeiro) por ação ou omissão.

BBC News Brasil - No Brasil, por conta da Lei da Anistia, o país não puniu os militares que eventualmente cometeram crimes. O Brasil tem estrutura institucional para punir os militares que supostamente participaram dos atos de 8 de janeiro?

Dino - Nós temos uma estrutura institucional que está se movendo. No caso da Polícia Militar do Distrito Federal, há seis ou sete inquéritos policiais militares. Nas Forças Armadas, também há inquéritos que tramitam junto ao Ministério Público Militar. E há também um pedido da Polícia Federal ao ministro Alexandre de Moraes para realização de atos de investigação, inclusive em relação a militares da ativa. Estamos aguardando a decisão do Supremo. É imprescindível identificar todos aqueles que participaram de crimes civis ou militares.

BBC News Brasil - O governo defende que as mídias sociais sejam regulamentadas e processadas se elas não conseguirem impedir a disseminação de desinformação. Isso não pode configurar algum tipo de censura, como afirmam alguns críticos?

Dino - Esse é um debate internacional, o que mostra que não é um tema específico deste governo [...] É uma questão da sociedade. Não existe nenhuma instituição humana que seja desregulada [...] Por que a internet deve ser governada pela lei da selva? Pelo vale-tudo? [...] No caso da proposta do Ministério da Justiça, nós não estamos tratando de desinformação abstratamente. Nós estamos tratando de seis crimes tipificados em lei [...] Por que a internet pode permitir que pessoas ensinem a matar pessoas, a fabricar bombas para destruir prédios? Um shopping center pode fazer isso? [...] Por que a internet pode? Para maximizar lucros com uma cultura da violência, do ódio, do antagonismo?

BBC News Brasil - Em outros países, o lobby das grandes empresas de tecnologia, as chamadas big techs, tem se provado razoavelmente forte para combater iniciativas como esta que o governo brasileiro defende. Como esta administração vai enfrentar as big techs nesse debate?

Dino - Iluminando o tema. Quando você adota uma postura séria e uma postura nítida de defesa de uma posição, como nós fizemos, nós estamos ajudando a que toda a sociedade reflita sobre o assunto. Então nós estamos dando a nossa contribuição. O Ministério da Justiça fez uma proposta, entregou ao presidente da República [...] Na verdade, nós queremos proteger a liberdade de expressão porque só existe uma forma de proteger a liberdade de expressão que é enfrentar os abusos.

BBC News Brasil - Há uma série de relatos, relatórios e reportagens mostrando que, mesmo após os ataques que ocorreram durante a diplomação do presidente Lula, em dezembro de 2022, empresas de tecnologia e mídias sociais continuaram permitindo a veiculação de convocações para atos que se provaram violentos, em Brasília. Na sua avaliação, as big techs foram irresponsáveis ao não coibir a propagação desse tipo de conteúdo?

Dino - Infelizmente, sim. Essas empresas, todas elas de um modo geral, podem se auto-regular e elas fazem isso. Existem filtros na internet? Sim ou não? Claro que existem. Existem mecanismos pelos quais as big techs sabem o que está circulando e induzem, inclusive, a circulação de certos conteúdos. Ou seja, os meios tecnológicos existem. Não quiseram fazer. Se a auto-regulação falha, é óbvio que a regulação é externa e ainda mais necessária.

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Invasores deixaram danos nos prédios dos Três Poderes

BBC News Brasil - Uma das principais críticas tanto a esse projeto quanto à criação de uma Procuradoria de Defesa da Democracia lá na Advocacia-Geral da União (AGU), é de que não caberia a uma instituição governamental dizer ou determinar o que é verdade ou não. Como é que isso reage a essa crítica?

Dino - O projeto do Ministério da Justiça não adota como critério o que é verdade ou o que não é. O nosso projeto adota como critério o que é crime e o que não é. Nós temos crimes. Crimes que são definidos não por mim, mas pelo Congresso. Se você chega e diz assim, "eu não gosto da pessoa chamada Pedro", isto é uma opinião. Se eu digo assim, "eu não gosto de uma pessoa chamada Pedro e por isso eu vou pegar uma bomba e vou jogar na escola onde ele ensina", isto não é uma opinião.

BBC News Brasil - Nos últimos anos, centenas de milhares de novas armas foram adquiridas no Brasil. Esse governo emitiu um decreto dando 60 dias para que fosse feito um recadastramento dessas armas. O que vai acontecer com os donos que não cumprirem esse cadastro? O governo tem condições de confiscar as armas que não forem recadastradas?

Dino - Quem não cumpriu o recadastramento (no prazo)? No dia seguinte, estas armas existentes passarão a ser ilegais e suscetíveis de apreensão. Também ficarão suscetíveis de identificação os proprietários para que eles sejam apresentados ao Ministério Público. Para as pessoas que, hoje, têm estoques de armas que estão além dos novos parâmetros que nós vamos estabelecer, nós vamos oferecer, caso a pessoa declare (as armas), a opção de recompra. O meu pedido sincero a todos esses armamentistas é que façam o cadastro, porque não haverá ato arbitrário contra ninguém.

BBC News Brasil - O governo tem condição técnica de localizar, identificar e confiscar estas armas?

Dino - De uma vez só? Claro que não.

BBC News Brasil - O Primeiro Comando da Capital (PCC) é hoje uma das maiores fações criminosas do país. É possível acabar com o PCC ou ele é uma força com a qual o Brasil vai ter que lidar nos próximos anos?

Dino - O crime organizado é um fenômeno global. As máfias, as organizações mafiosas sempre desafiaram as nações. Temos casos na Colômbia, nos Estados Unidos e na Itália. Nós tivemos esse crescimento, infelizmente, nos últimos anos. Nós estamos atuando agora na coordenação das polícias [...] Esse combate vai produzir resultados amanhã ou depois de amanhã? Claro que não, porque essas organizações estão se formando ao longo de décadas. Mas é preciso enfrentá -las.

BBC News Brasil - Não ficou claro se o senhor acredita que é possível acabar com o PCC ou não…

Dino - É claro que é possível acabar com o PCC. A questão é o prazo. E volto a dizer, não é instantâneo, mas o enfrentamento competente, com inteligência, com descapitalização, combatendo a lavagem, algumas mudanças e lavagem de dinheiro, algumas mudanças legais, o debate no Supremo sobre lei de drogas e assim sucessivamente, podem resultar numa diminuição do poder dos cartéis.

BBC News Brasil - A Colômbia tem adotado uma estratégia de se afastar da erradicação das plantações de coca. Uma consequência lógica disso seria um aumento do estoque dessa matéria-prima para a produção de cocaína e o Brasil é um dos principais corredores de exportação deste produto. Em que medida o Brasil é afetado por essa política?

Dino - Assim como nós podemos refletir sobre isso, outros países vizinhos ao nosso refletem sobre a atuação de organizações brasileiras nos seus territórios. Por isso que o caminho não é propriamente a imposição de acusações entre países e sim o trabalho conjunto. E é isso que nós vamos buscar.

BBC News Brasil - O senhor hesitou em criticar a política adotada pelo governo colombiano e a gente sabe que o governo colombiano é de uma linha ideológica próxima à do presidente Lula. Como é que o senhor reage à crítica de que esse governo pode estar sendo, de alguma forma, leniente com com uma política que pode ter impactos no Brasil?

Dino - Nós temos feito todos os dias apreensão de drogas. Fizemos hoje, fizemos semana passada e vamos fazer amanhã. Onde está essa leniência? A não ser na ficção daqueles que acham que a Terra é plana? [...] Eu sou um defensor da soberania brasileira e eu respeito a soberania dos outros países e esse é um parâmetro constitucional. Então, eu não opino sobre assuntos domésticos dos Estados Unidos, da China ou da Argentina, ou do Paraguai, ou da Angola, ou da África do Sul.

BBC News Brasil - O governo brasileiro se manifestou em relação a um pedido da Itália no sentido de que o jogador Robinho possa cumprir sua pena no Brasil. Qual o impacto que o senhor acredita que uma medida pode ter para outros brasileiros?

Dino - O que nós precisamos entender é que essa cooperação jurídica internacional é bem-vinda [...] ela é positiva no sentido de reduzir a impunidade. Assim como nós queremos que brasileiros que estão em outros países, porque fugiram do cumprimento da lei ao cometerem crimes no Brasil [...] então, por reciprocidade, creio que o Brasil deve colaborar para que a lei seja cumprida.

BBC News Brasil - O senhor acha que o posicionamento do governo brasileiro em relação a esse caso concreto do jogador Robinho tem um caráter pedagógico em relação à expectativa de impunidade?

Dino -Tem um caráter pedagógico em relação à expectativa de impunidade e tem um caráter de convite a outros países para que também colaborem com o Brasil.


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